Ciclotrama 141 (épura), 2019
700cm x 800cm x 1600cm
20m of handmade cotton rope diameter 24cm and 2880 meters of paper tape
Zipper Galeria, São Paulo, Brazil.
Site-Specific Installation for solo show “Ciclotrama”
Curated by Taisa Palhares
Photo: Gui Gomes / Video1: Jõao Azevedo / Video2: Enrico Beer Boimond
Aqui, Agora.
Texto: Taisa Palhares
Right here, right now.
Text: Taisa Palhares
Em sua recente exposição na Zipper Galeria, a artista Janaina Mello Landini apresenta novas obras da série “Ciclotrama”, realizando pela primeira vez em São Paulo uma grande escultura ambiental especialmente concebida para sala principal da galeria. Como nos trabalhos anteriores, sua pesquisa se dá na intersecção entre diversos saberes e ciências, como arquitetura, geometria, anatomia, física, cartografia, escultura e desenho, criando com base em um raciocínio aparentemente simples estruturas rizomáticas que se imbricam e expandem por meio da ligação e cruzamento de linhas e pontos segundo uma distribuição dinâmica de forças.
Seu trabalho questiona as possibilidades de representação para além de um único ponto de vista, sobrepondo ao caráter ortogonal da tela e da arquitetura novas coordenadas espaciais que resultam em desenhos de formas orgânicas, de aparência fluida e maleável. Com isso, a artista produz uma “torção conceitual” do uso da geometria quando a trama, figura principal de seu trabalho, é realizada de maneira bastante calculada a partir de um conhecimento científico estabelecido de projeção e representação tridimensionais, mas visando um resultado pouco ortodoxo.
Para Ciclotrama 141 (épura), Janaina Mello Landini fabricou, pela primeira vez, sua própria corda, entrelaçando 1.440 fios de barbante comum. Com isso, ela conseguiu atingir um peso inédito de 120 kg, que deve ser distribuído a partir de um procedimento reiterado de divisão e bifurcação binária, em que por fim a corda será quase desfeita em subdivisões, gerando um total de 2.880 pontas que são fixadas na parede, e são responsáveis por dar sustentação à massa. Esses pontos, basicamente presos com fita crepe, dividem o volume de maneira proporcional, criando uma estrutura cuja estabilidade depende do cálculo exato de compensação de forças.
O resultado é um desenho espacial extremamente delicado, no qual a simplicidade (e por que não dizer precariedade) do material produz uma escultura de enorme potência visual. De alguma maneira, é como se a artista projetasse no aqui e agora as infinitas possibilidades de cruzamento existentes no espaço virtual, corporificando-as e nos convidando a deles participar. No entanto, se as leis da física e da geometria são capazes de dar segurança e estabilidade ao trabalho, Ciclotrama 141 (épura) parece apontar, em seu movimento de equivalências, para o aspecto instável, impermanente ou em constante transformação e reorganização das coisas no mundo. Por isso, essa trama que se expande por toda a galeria assemelha-se a um organismo vivo, como se o espectador, a cada nova visita, fosse capaz de contemplar um outro desenho, uma nova estrutura.
Nas quatro telas que fazem parte da presente mostra (intituladas Ciclotrama 137, Ciclotrama 138, Ciclotrama 139, Ciclotrama 140) e estão expostas numa sala menor, a artista retoma o uso de cordas industriais, que destramadas são fixadas segundo o mesmo sistema de divisão, bifurcação e cruzamento das linhas. No entanto, aqui Janaina Mello Landini optou por utilizar como plano para superfície um tecido especial utilizado na fabricação de velas para embarcações náuticas. Nele, são bordadas coordenadas geográficas inspiradas em mapas antigos e atuais, antes que a artista instale as tramas em fio colorido. Novamente, o espaço real e o virtual se imbricam, criando um novo desenho, pois ao mesmo tempo que o bordado remete ao existente, a trama nos fala de um espaço imaginário que também pode ser real.
A sala das Ciclotramas está disposta de modo que as cordas em tons de azul e preto encontrem-se aglomeradas no centro, conectando todos os trabalhos. Esse amontoado sugere a existência de um núcleo de energia comum, ainda caótico, que tende à propagação, e que será organizado nas tramas sobrepostas de linhas na superfície das telas. Poeticamente, mostra-se a relação indissociável entre a parte e o todo, e a convivência de interdependência e autonomia mediante uma sutil correspondência de forças.
É interessante notar que também essas telas sugerem uma abertura à reorganização. Do ponto de vista teórico, a geografia trabalha com limites relativamente estáveis, ou que demoram muito tempo para serem redesenhados. Mas no mundo contemporâneo as relações e fluxos respondem a uma dinâmica especial, acelerada pela tecnologia. Podemos imaginar novos mapas geográficos criados cotidianamente pelo reinstauração de conexões diversas, para além das limitações do espaço físico. É evidente que essa liberdade de movimento nem sempre é bem acolhida por todos.
Contudo, a vontade de expansão, como a artista parece lembrar, faz parte da história da humanidade, sobretudo desde a Era Moderna. O desejo de mobilidade redesenhou o mapa geográfico e nos deu uma nova apreensão da terra com as Grandes Navegações, um fator decisivo para a formação de nossa visão de mundo. Hoje presenciamos um outro tipo de expansão, talvez menos real, e mais virtual. Mas que tem o mesmo poder de redesenhar nosso imaginário. De qualquer maneira, a forma plástica dos organismos vivos, que parece inspirar a artista, está presente tanto na natureza quanto na sociedade. Entender os contínuos rearranjos de nosso meio social e natural é um desafio mais do que atual. E também ter em mente a fragilidade de seu sistema de compensações recíprocas, que pode ser colocado em xeque por meio de qualquer movimento mais brusco, gerando um desequilíbrio irremediável.
In her recent exhibition at the Zipper Galeria, the artist Janaina Mello Landini presents new works from the “Ciclotrama” series, showing for the first time in São Paulo a large site specific sculpture specially conceived for the gallery’s main room. As in her previous works, her research focuses on the intersection of several types of knowledge and sciences, such as architecture, geometry, anatomy, physics, cartography, sculpture and drawing, thus creating, on the basis of apparently simple reasoning structures, rhizomatic structures that overlap and expand by connecting and crossing lines and points according to a dynamic distribution of forces.
Her work questions the possibilities of representation beyond a single point of view, superimposing onto the orthogonal character of the canvas and architecture, new spatial coordinates that result in designs of organic forms, of fluid and malleable appearance. With this, the artist produces a “conceptual twist” in the use of geometry when the web, the main figure of her work, is created in a very calculated way from an established scientific knowledge of projection and three-dimensional representation, but aiming for an unorthodox result.
For Ciclotrama 141 (épura), Janaína Landini fabricated, for the first time, her own rope, interweaving 1,440 yarns of common string. With this, she was able to reach an unprecedented weight of 120 kilos, which had to be distributed from a repeated procedure of binary division and bifurcation, in which finally the rope becomes almost undone through subdivisions, generating a total of 2,880 points that are fixed on the wall, and are responsible for supporting the mass. These points, simply attached with masking tape, divide the volume proportionally, creating a structure whose stability depends on the exact calculation of force compensation.
The result is an extremely delicate spatial design in which the simplicity (and why not say, precariousness) of the material produces a sculpture of enormous visual power. In some ways, it is as if the artist projected right here, right now the infinite possibilities of crossovers that exist in virtual space, embodying them and inviting us to participate in them. However, if the laws of physics and geometry are capable of securing and stabilizing the artwork, Ciclotrama 141 (épura) seems to point, in its movement of equivalences, to the unstable, impermanent, or constantly transforming and reorganizing aspect of things in the world. That is why the web that extends throughout the gallery resembles a living organism, as if the viewer, with each new visit, was able to contemplate another design, a new structure.
On the four canvasses that are part of the show (entitled Ciclotrama 137, Ciclotrama 138, Ciclotrama 139, Ciclotrama 140) and are displayed in a smaller area, the artist makes use again of industrial ropes, which are unwoven and fixed according to the same system of division, bifurcation and crossing of threads. However, here Janaina Landini chose to use as a surface plane a special fabric used in the manufacture of nautical boat sails. On it are embroidered geographic coordinates inspired by old and current maps, before the artist attaches the webs of coloured thread. Again, real and virtual space are interwoven, creating a new design, because at the same time that the embroidery refers to the existing, the web tells us of an imaginary space that can also be real.
The room with the Ciclotramas is arranged so that the ropes in shades of blue and black are clustered in the centre, connecting all the works. This hodgepodge suggests the existence of a common, still chaotic energy core that tends to propagate, and which will become arranged in the overlapping webs of threads on the surface of the canvases. Poetically, it shows the inseparable relationship between the part and the whole, and the coexistence of interdependence and autonomy through a subtle correspondence of forces.
It is interesting to note that these canvasses also suggest openness to reorganization. From the theoretical point of view, geography works with relatively stable boundaries, or that take a long time to be redesigned. But in the contemporary world relations and flows respond to a special dynamic, accelerated by technology. We can imagine new geographical maps created daily by the reinstating of diverse connections, beyond the limitations of the physical space. It is evident that this freedom of movement is not always welcomed by everyone.
However, the desire for expansion, as the artist seems to remind, is part of the history of humanity, especially since the modern era. The desire for mobility redesigned the geographical map and gave us a new apprehension of the Earth through the Age of Exploration, a decisive factor for the formation of our worldview. Today we see another kind of expansion, perhaps less real, and more virtual. But that has the same power to redesign our imaginary. In any case, the plastic form of living organisms, which seems to inspire the artist, is present both in nature and in society. To understand the on-going rearrangements of our social and natural environment is a more than current challenge. And also to think about the fragility of its system of reciprocal compensations, which can be put in check by a more abrupt movement, generating an irremediable imbalance.